Monday, February 11, 2013

500 KM DE INTERLAGOS DE 1974 – O APOGEU DA DIVISÃO 3


Digamos que a prova 500 km de Interlagos passava por uma crise de identidade, nos idos de 1974. Uma das mais tradicionais provas do Brasil, durante muitos anos foi o espetáculo máximo de velocidade nas pistas brasileiras, disputada no anel externo de Interlagos. Por causa disso, e por ser disputada por ex carros de Fórmula 1, equipados com fortes motores Corvette, os Mecânica Nacional e depois Continental, garantia altas médias de velocidade para a corrida, e vez por outra um acidente sério. Era a Indy 500 brasileira. Num destes desastres morreu o seu expoente maior, Celso Lara Barbéris, em 1963. Desta edição em diante, a prova passou por diversas “cirurgias”. Em 1964, os Mecânica Continental foram suprimidos, considerados inseguros, e a disputa ocorreu na pista completa de Interlagos. No ano seguinte, havia um ou outro grande monoposto de antanhos com motivação V8, misturado com Simca Abarths, Malzonis, Gordinis e até mesmo um Fórmula 3 da Equipe Willys, o Gávea. Em 66, praticamente só carros de turismo, a maioria Simcas, DKWs e Gordinis/1093, com alguns poucos KG-Porsche, Alpine e Malzonis. Em 1967, outra mudança: a prova foi disputada com monopostos de Fórmula Vê, completamente inadequados para provas de longa distância! Interlagos ficou fechado para reformas, em 1968 e 1969, e em 1970, voltou à ativa. Os 500 km daquele ano voltavam a ter uma aparência dos tempos de outrora, quando a prova reunia os melhores e mais rápidos carros do Brasil. A tendência continuou em 1971, atingindo o auge em 1972: uma edição internacional da corrida. Diversos pilotos europeus e argentinos competiram contra o que o Brasil realmente tinha de melhor. Reinhold Joest ganhou a prova, batendo Luis Pereira Bueno, com o Porsche 908/2 da Hollywood, Herbert Muller, com uma Ferrari 512, e Marivaldo Fernandes, com uma Alfa T-33 da Jolly. Nunca os 500 km viram tanta velocidade assim. Sem dúvida, o sonho dos organizadores era manter a prova com este status de prova internacional, sonho que não foi realizado.

Não por falta de tentar. A prova geralmente ocorria por volta do dia 7 de setembro, em cuja altura do ano o Campeonato Mundial de Marcas tinha terminado. Protótipos havia, e muitos, disponíveis para correr. Mas cruzar o Atlântico para uma única corrida era, e sempre será, uma proposta cara. Cabe lembrar que em 1973, a categoria de esportes protótipos estrangeiros, a Divisão 6, havia sido cancelada no Brasil, ou seja, não havia mais carros baseados no Brasil em condições de preparo para enfrentar carros europeus e argentinos: este era uma tarefa praticamente impossível para os nossos Divisão 4. No fim das contas, os 500 km de 1973 foram disputados pela estreante Divisão 1, carros de turismo com pouco preparo, categoria iniciada com as 25 Horas de Interlagos de 1973.

A Divisão 3 também passava por uma crise de identidade. Provas de carro turismo tiveram muito sucesso no Brasil desde o começo da década de 1930, no Rio Grande do Sul, começando a fazer sucesso em São Paulo nos anos 50. Chegaram a ser quase hegemônicas, na década de 60, quando a grande maioria dos participantes das corridas eram carros de turismo, complementados por algum protótipo ou GT, e carretera mais peituda.

A partir de 1970, o automobilismo começou a vivenciar uma nova fase, com mais maturidade, profissionalismo, patrocínio comercial, e a necessidade de realizar campeonatos para categorias diferentes de carros. Assim, o destino da categoria turismo era de ter seu próprio campeonato, no qual poderiam competir os carros já existentes e os planejados lançamentos da indústria automobilística brasileira.

Na teoria, tudo ótimo. Assim, programou-se um Campeonato Brasileiro de Viaturas Turismo, para carros de Divisão 3, para 1971. Nada de Porsches, GTs, protótipos ou carreteras para ofuscar os tintops. Só Opalas, Fuscas, Corcéis, VW 4 Portas, FNMs, e quem sabe, um ou outro Simca ou DKW, ou mesmo Dodge Darts, GTX e algum doido com um Galaxie. O calendário era empolgante. Além de corridas em Interlagos e Tarumã, estavam programadas provas de longa distância em diversas áreas do Brasil: 500 km de Salvador, 400 km de Fortaleza, as Seis Horas de Curitiba, 500 km de Brasília, enfim...Não é preciso dizer que essas últimas provas foram canceladas, e não fosse pelo empenho dos gaúchos, não teria existido o campeonato. Acabou tendo somente três provas, todas ganhas por Pedro Victor de Lamare, com copilotos diferentes, e por pouco não perde o status de campeonato: o regulamento exigia o mínimo de 5 provas!

O domínio de Pedro Victor continuou no ano seguinte, embora a concorrência tenha ficado mais séria: Luis Pereira Bueno e Ciro Cayres estiveram entre os inscritos. Entretanto, o número de Opalas era muito baixo, e a participação inconstante, e basicamente, o campeonato era dominado por Opalas na Classe C, FNM na B e VW na A. Para piorar as coisas, os Fuscas mais rápidos freqüentemente davam um banho nos Opalas mais vagarosos.

Em 1973, Pedro Victor continuou a ser o principal piloto da classe C, que passava a contar com Antonio Castro Prado, José Pedro Chateaubriand e Luis Landi. O número de Opalas aumentara ligeiramente, e no fim do ano, um Maverick largou pela primeira vez na D-3: na última prova do campeonato, Camilo Christofaro decidiu alinhar o seu Maverick, que era praticamente um carro de Divisão 1, com o qual obtivera o 2o. lugar nas Mil Milhas. E Newton Pereira fez furor com o seu Chevette na Classe A, chegando em terceiro.

Entretanto, por volta de 1974 ficava óbvio que a Divisão 3 não podia mais ser considerada nem a principal categoria de carros turismo no Brasil. Os Divisão 1, apesar de mais vagarosos, atraiam mais patrocínio, pilotos de categoria e público. As provas de Divisão 3 minguavam, principalmente nas classes C e B.

A categoria teve uma injeção de ânimo, em 1974, cujo efeito duraria até 1975. Esta veio na forma de um Maverick preparado por Oreste Berta, para a Equipe Hollywood. A já famosa equipe usara um Opala até 1973, mas nunca teve muita sorte com este carro. Luis Pereira Bueno ganhara uma prova em 1972, mas em 1973 só conseguiu 8 pontos no campeonato inteiro. Estava na hora de mudar de ares, e assim apareceu o Maverick, com panca de bicho papão.

Se em 1973 já era difícil trazer protótipos para o Brasil, em 1974 era impossível. A crise de petróleo pegara o automobilismo europeu em cheio, e a situação dos protótipos não se revertera no Brasil: os estrangeiros continuavam fora da lei, e havia poucos (na realidade, diria que nenhum) D-4 em condições de enfrentar uma corrida de 500 km. Portanto, decidiu-se fazer os 500 km de Interlagos de 1974 com a Divisão 3.

É possível que este não tenha sido o momento mais feliz dos 500 km de Interlagos, mas de certo, foi o ponto alto da categoria Divisão 3 na sua breve história no Brasil. Dado o prestígio da prova, não foi difícil reunir um bom número de concorrentes, com inusitada variedade. Além do Maverick da Hollywood, com Tite Catapani, Grecco havia preparado um Maverick brabo para Paulo Gomes. Camilo Christófaro pai e filho também se inscreveram com Mavericks, e outro filho de piloto famoso, Luiz Landi, também estava equipado com o Fordão. Outro carro preparado por Chico Landi era o Opala de Nelson Silva. A equipe Itacolomy-Safra veio com três Opala, para Edgard Mello Filho, Reynaldo Campello e Norberto Januzzi. Edson Yoshikuma compareceu com o seu Opala, ex carro de Pedro Victor em 1973. Do Rio Grande do Sul veio Julio Tedesco, também de Opala, e o veterano Nelson Marcilio inscrevera um Dodge Charger, para ver se este rendia no circuito externo. Ao todo, 16 classe C, sem dúvia um recorde. Sentia-se a falta de Ciro Cayres, cujo Opala número 44 dominara o campeonato paulista daquele ano e dos pilotos paranaenses e gaúchos. Na classe A, o favorito era Ingo Hoffmann, com sua Brasilia da Creditum. Seus principais concorrentes eram Alfredo Guaraná Menezes, Fabio Sotto Mayor, Amadeo Campos, Luigi Giobbi e Raul Natividade (equipe Hollywood), todos com fuscas. Havia diversos outros fuscas bem preparados. Para dar um gostinho de diversidade, um FNM 2150, de Antonio Gonzalez, único concorrente da classe B, e o Chevette de Newton Pereira.


Na prova, Catapani confirmou plenamente o seu favoritismo na Classe C e na geral, e Ingo, na Classe A. Tite conseguiu fazer as 156 voltas em menos de 3 horas (2h53m16.7s), com média horária de 173,329 km/h, e melhor volta em 59.4 s (194,363 km/h), recorde de volta para carro brasileiro no anel externo de Interlagos. No começo, Paulo Gomes conseguiu ficar razoavelmente próximo de Tite, seguido de outros carros da Classe C, Yoshikuma, Edgar, Tedesco e Camilo Pai. Entretanto, na 36a. volta, Tite já colocava uma volta de diferença sobre Paulão. A classe A foi bastante competitiva, com muitos pegas entre Ingo, Guaraná e Giobbi. Curiosamente, muitos Fuscas quebraram, e de fato, só quatro terminaram a corrida (e dez abandonaram). Embora a classe C contasse com uma representatividade numérica incomum, infelizmente o Maverick de Paulo Gomes abandonou a prova na 67a. volta, e os carros remanescentes não tiveram condições de resistir ao Maverick-Berta. De fato, o Maverick de Camilo Junior ficou atrás de dois carros da Classe A. Edgard Mello Filho chegou em 2o. ampliando a sua vantagem no campeonato, que acabaria vencendo. O Charger de Marcilio fez 130 voltas, e conseguiu um honroso 9o. lugar, e alguns pontos no campeonato. O valente FNM 2150 de Antonio Gonzalez completou 121 voltas, e conseguiu terminar em 10o. na frente de 3 outros carros, inclusive o Opala de Tedesco.

Os 500 km de 1974 mostraram o que a Divisão 3 tinha de bom, e de mal. Certo que este foi um evento único: salvo pelo primeiro campeonato, que incluía a tradicional 12 Horas de Porto Alegre, as corridas de Divisão 3 eram corridas curtas, geralmente de duas baterias, sem grande prestígio e nenhuma tradição. De bom, o potencial da categoria, que nunca foi realizado. Todas as provas poderiam ter 16 carros de classe C, mas no máximo alinhavam 8, nos dois últimos anos da categoria, menos ainda. Os críticos da categoria podiam dizer que carros de turismo altamente preparados, com pneus de Formula 1, eram muito custosos para a realidade brasileira, e que uma categoria desse tipo nunca poderia sobreviver, quanto mais prosperar. A Stock Car veio provar o contrário. Em poucos anos os Stock Car estavam rodando em Interlagos tão ou mais rápidos do que os D-3, e a categoria prosperou imensamente, por que era bem administrada e patrocinada. O grande número de abandonos e a falta de concorrência para o Maverick-Berta mostravam o lado feio da categoria. O nível de preparo na D-3 era, de modo geral, sofrível, principalmente na Classe C. A Classe C viria a sobreviver mais duas temporadas, e a classe A durou até 1980.

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